domingo, 26 de setembro de 2010

Destroços

E ele parou
Na mesma esquina
Úmida
De pedra
Dura
Olhou ao redor
Para seu mundo desabando

Pedra a pedra

Ela se juntou a ele
No desespero
Na dúvida
E inquietação
Dançaram e choraram

Lágrima a lágrima

Eles correram por entre os destroços
Recolhendo pedaços de suas vidas
Pulando os muros da proibição
Contornando cercas da vergonha
E sangraram

Gota a gota

Nada fora como os sonhos
Os anseios e profundos desejos
Nada fora uma primavera de bailes
Ou um verão de alegrias
E quando finalmente perceberam o mundo ao redor
Ele caiu

Pedaço a pedaço

E tentaram fugir
Se esconder
Daquilo que eles próprios haviam criado

Sonho a sonho

Fugindo daquilo que haviam construído
Construíram aquilo que os havia destruído
Escolhas

Pararam então
Sobre as ruínas de seus ideais
E tiveram que escolher caminhos
Vidas
Mundos

Para, quem sabe, destruí-los novamente

quinta-feira, 25 de março de 2010

Três Quartos - Delírios de noites febris

Quando se está gripado, muito gripado, e com sono, muito sono, é facil se perder em devaneios noturnos, confundir realidade com sonhos, ou delírios febris. Dormi ao lado de um livro, acordei com outro na cabeça. Talvez ter de ficar em casa, com dor por todo o corpo não tenha sido de todo ruim, afinal, uma ideia sempre é uma ideia, seja ela boa, ou ruim.

E eu tive uma ideia!
Pensei em meu quarto, em sua personalidade, nos seus cheiros e sentidos, e pasmem: descobri que ele é muito menos estático do que eu imaginava, e muito mais consciente de si do que muitos por aí. - Será esse outro delírio febril?

Sinceramente não sei, e justamente por não saber escrevo por aqui, pois o blog pode enfim servir de instrumento revelador da realidade, mesmo não sendo ela tão real assim.




Três Quartos - J.P.L.Campos

Um cheiro de papel com um leve toque de mofo. O ar pesado como se um manto de poeira milenar ali repousasse. Um aroma de criatividade e muito sono. Assim era o quarto.
O homem que ali entrou entrara por engano, procurava por outra porta dentre tantas iguais naquele cortiço imundo. Que exalava a morte.

Disfarçadamente ele a ia fechando, antes que alguém notasse o equívoco e em problemas o metesse, tudo ali era motivo para uma boa discussão. Como quando Dona Vera recolhera o lençol da Maria do varal em dia de chuva. Apesar do favor, Maria não poupou seus pulmões de idosa e pôs-se a gritar com a outra mulher, chamando-a de ladra, puta e invejosa. Maria não frequentara a escola, e tudo o que aprendera a dizer fora nas ruas daquela cidade tortuosa, marrom-acinzentada, cor de pedra, cor de vergonha.

O homem então deu um passo para trás, mas algo o puxava de volta para o cômodo. Alguma coisa ali o fazia diferente.
Poderia ser o cheiro de papel velho que em nenhum outro lugar podia se sentir, ou o delicado aroma de criatividade, ou ainda quem sabe as pilhas de livros do século XIX ao lado da cama.

Fosse o que fosse ele se sentiu atraído, preso por aquele lugar. Então vagarosamente empurrou a porta, agora a fraca luz do corredor inundava mais da metade do quarto; pé ante pé ele adentrou o recinto tomando cuidado com o ranger das tábuas soltas do soalho. Respirou profundamente aquele aroma novo, deliciou-se com diferentes sensações, olhou para um lado, para o outro, observou o relógio velho que carregava no pulso: quase três e meia da tarde. Olhou um pouco mais. E entrou.

O homem estava no quarto.

quarta-feira, 24 de março de 2010

Quando um sonho ultrapassa a noite

Sonhamos. Todos os dias. Seja enquanto dormimos, ou enquanto nos dirigimos àquele trabalho que só nos massacra, ou àquela aula chata da qual não dependemos profissionalmente. Sonhamos em ficar ricos, famosos e em possuirmos a maior beleza do mundo. Sonhamos também com igualdade, paz e amor. Sonhamos com nossos próprios sonhos. Eu por exemplo, durante a noite sonho com palavras, minhas amantes.

Certa vez sonhei acordado. Não da maneira convencional, mas sim de um modo alucinado. Apesar de ter certeza de que estava bem desperto, navegando pela internet, minha cabeça doía e por vezes eu a deitava no teclado do computador, e ali fechava os olhos.

Quando os abria escrevia um pouco. E novamente voltava a minha mente para as sombras confortáveis do sono.

E acordava.
E escrevia.
E sonhava.

Assim foi por muitas horas, pois a febre que me acometera naquela noite solitária me impedira de dormir, tampouco de permanecer desperto. Fiquei preso no limiar entre a consciência e a ilusão. Entre a verdade e fantasia. Numa terra de sonhos.

E como todo bom homem americano eu fui explorar essa terra. E nela encontrei coisas magníficas que tentei contar ao mundo, porém, dois dias depois minha febre passara, a segunda-feira chegara e com ela a vida comum.

E os sonhos?

Bem, devo admitir que desses eu tive de esquecer por um tempo, pois precisava urgentemente me dedicar a outras coisas. E digo que valeu a pena. Viver sonhando é essencial, porém é realmente complicado viver por eles.

Porém, mesmo tendo esquecido aquelas noites febris de loucura doentia, jamais as abandonei completamente. Dentro de mim o sabor daquela terra estranha manteve-se vivo, e hoje, depois de muitos meses consegui voltar a relatar o que havia começado.

Tantas vezes tentei voltar àquele quarto escuro no qual deixei o homem parado, sozinho. Sozinho?

Mas percebo e entendo que eu simplesmente deveria esperar pelo momento, cedo ou tarde ele chegaria, fosse a cavalo, num momento triunfal, ou de metrô, numa versão urbana das alucinações que tenho ao escrever.

Bem, o momento chegou! E tudo foi tão intenso, que decidi criar um blog para que Três Quartos pudesse ter seu próprio espaço. Pois afinal, segredos de uma terra distante merecem um espaço único.

O homem estava no quarto. Um reino de papel e imaginação.